A menina que precisa se fingir de pobre para não ir presa parte 2
Olá leitores. Mais um texto dessa série onde falando das artistas que eu passo o dia escutando termino falando de mim. É possível começar lendo por esse, mas se preferirem aqui estão os links para os textos anteriores.
A menina que escolheu não esperar
A menina que precisa se fingir de pobre para não ir presa parte 1
Em 2008 a empresa de história em quadrinhos Marvel, na sua vertente de cinema, lançou um filme chamado Homem de Ferro. Esse título tinha a intenção de se conectar a outros filmes criando uma grande série no cinema. A Marvel terminou sendo comprada pela gigante Disney que levou o plano adiante. A ideia de uma grande série de filmes chegou ao clímax mais de dez anos depois com o filme Vingadores Ultimato de 2019. Que encerrou a história daquele Homem de Ferro que apareceu em 2008, entre outras coisas.
Grande parte do sucesso desse filme se deu na China onde os filmes estrearam nos Cinemas ao mesmo tempo que no resto do mundo e foram assistidos por muita gente. O povo que gosta da Marvel e que não entendia bem como estreias de grandes filmes funcionam gostavam de ficar dizendo que a bilheteria do filme ia crescer muito "quando o filme estreasse na China".
Muito feliz com os resultados naquele país, a Marvel/Disney decidiu que era hora de focar para valer na China. Pela primeira vez um filme feito nos Estados Unidos da América ia ser completamente dedicado ao mercado chinês. E foi aí que tudo deu errado.
Antigamente os DVDs de filme vinham com um monte de conteúdo extra. Quando eu assisti um filme chamado Cisne Negro, vi o produtor falando e ensinando muita coisa. Ele disse que: "você tem que fazer coisas que seus amigos vão gostar. Se seus amigos gostarem você atingiu o sucesso. Agradar pessoas que você não conhece é loteria. Pode acontecer ou não, você não controla."
Um exemplo dessa ideia é um filme chamado Coco, que foi pensado para agradar o povo dos Estados Unidos da América que fala espanhol, principalmente os que vieram do México. Nunca se imaginou que aquele filme que falava de morte fosse chegar aos cinemas chineses que tem pavor desse assunto. Mas a história ficou tão boa, que não só o governo chinês permitiu que passasse nos cinemas de lá como foi um sucesso imenso. Essa é a ideia que os produtores ensinam, agrade os seus, agradar aos estranhos é bônus.
O filme que a Disney/Marvel fez para agradar os chineses se chamou A lenda dos Dez Anéis. Eles escolheram para interpretar o protagonista um rapaz canadense filho de chineses. Acontece que esse rapaz tinha uma vasta quantidade de conteúdo contando que os pais dele passaram fome na China, foram embora e ficaram ricos. Essa é a pior narrativa que o governo chinês quer na boca de um artista. Como ele é canadense não corre risco de ser preso, mas o governo além de não permitir que o filme dos dez anéis passasse lá ainda fez uma grande campanha contra o ator, o chamando de desertor, filhinho de papai, playboy. Estou usando os xingamentos que eu usaria para esse tipo de pessoa, eu li as notícias sobre esse assunto em português, não sei quais os reais xingamentos que os chineses usaram, mas deve ter sido parecidos com esses.
O artista chinês para agradar o governo deve ser modesto. Demonstrar humildade sempre, falar em simplicidade como uma meta de vida. Isso consta em lei.
Os fãs da Marvel quando os dez anéis estreou no cinema ficaram se lambendo e dizendo: "um filme sobre a China, quando estrear na China..." Mas não estreou lá foi nunca.
O filme dos dez anéis desagradou o governo chinês, mas eu assisti e gostei. Foi uma história legalzinha. Gostei de ver um vilão que pensa como as pessoas de antigamente. E tem um personagem que é ator na história que é muito engraçado. No final do filme fiquei sabendo que tinha sido dedicado a Brad Allan, fiquei comovido mesmo sem saber quem era. Depois que descobri quem foi Brad Allan fiquei mais comovido ainda.
Ele foi um australiano que queria aprender tudo sobre filmes de artes marciais e nessa busca foi fazer um curso na China. Chegando lá terminou arranjando trabalho e ficou. Trabalhou em um monte de filmes, mais nos bastidores do que aparecendo. Mas fez uma participação como ator em um filme que passou muitas vezes na Sessão da Tarde chamado O grande desafio. Um filme de Jackie Chan.
Eu gosto muito de Jackie Chan. Como ator e como pessoa. Além de tudo ele sabe muito bem como não desagradar o governo chinês. Ele está sempre dando lições de trabalho duro e humildade. De como treina muito, de como chega sempre na hora, que quando viaja leva apenas duas cuecas, veste uma lava a outra e deixa enxugando. Humildade é essencial para se fazer sucesso como artista na China e para não ser preso.
A Cachorro de Pequim do grupo que eu passo o dia escutando não tem a sutileza de Jackie Chan, muito pelo contrário, mas também dá seus pulos.
A primeira coisa que chama atenção é como ela é a única do grupo que em algum momento fala de simplicidade em músicas.
"Nós não precisamos de dinheiro para nos sentirmos bem." Bonnie & Clyde. Letra encomendada.
"Eu disse a você que queria uma vida boa, mas agora só quero uma vida simples." Peter Pan (autoral).
Parece pouco mas no Kpop onde a norma é se gabar de ser rico esses versos terminam chamando muita atenção. Pelo menos a minha atenção.
Além de falar de pobreza em música ela também se declara pobre sempre que possível. De maneira nem um pouco discreta, como nesse vídeo. Estão falando em coreano com um pouco de inglês e a legenda está em chinês. Mas vou colocar a tradução.
Cachorro: Eu sou jovem e pobre.
Rato: Jovem e pobre?
Cachorro: Eu não sou rica, sou jovem e pobre.
Princesa: O que você está dizendo, você é rica! Olha só suas roupas.
Cachorro: Patrocínio. Patrocínio. Eu ganhei essas roupas da China.
Bebê: Sim. Parabéns.
Cachorro: Nós somos assim de verdade.
Ao ouvir essa frase por algum motivo que desconheço a Capitão se acabou de rir.
Cachorro: Não era minha intenção, mas é verdade.
Pobre menina patrocinada. Queria ter um patrocínio desses também, estou precisando de roupas novas.
Demorei um monte para escrever esse porque adoeci.
Até.
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