Fragmentos de cultura.
Fragmentos de cultura.
Sexta-feira viajo para lutar em Fortaleza. Ainda não tenho todo o dinheiro que preciso, mas acredito que vou conseguir. Quero agradecer a quem já me ajudou e mais uma vez pedir ajuda a quem não contribuiu ainda, com dinheiro, porque me ler também é importante.
Obrigado!
Eu vinha pensando em contar sobre como está minha experiência de leitura ultimamente e está como quase tudo nessa vida atualmente, fragmentada.
As redes sociais, principalmente as de vídeos curtos, nos trazem a experiência de consumir cultura de forma completamente fragmentada, e vi um vídeo do PH Santos contando como ele acha isso problemático e como ele sente a necessidade de anotar sobre os fragmentos que chamam atenção dele e ir atrás da experiência completa.
Penso que isso acontece porque ele tem cinema como arte principal. Para ele, passar horas em um cinema é hábito. Toda semana, vários dias da semana ele está lá assistindo filmes e filmes, e quando chega em casa vai assistir séries e mais filmes.
Já eu tenho como obra de arte principal os quadrinhos.
Alguns criadores de conteúdo como o PH Santos sentem ódio de quem diz que aprendeu a ler com quadrinhos, eles tem esse sestro feio de querer que a gente minta que aprendeu a ler na escola. Mas eu não vou fazer isso.
Meu amigo e irmão professor Xavier aprendeu a ler antes de mim, não na escola, em casa, e as professoras gostavam de chamar ele para ler no palco do auditório. Nós tínhamos quatro anos ainda, talvez cinco. Eu cheguei em casa um dia e contei para minha mãe que tinha um menino do jardim três A que já sabia ler, eu era do jardim três B. Minha mãe respondeu:
— Pois aprenda também.
— Como?
— Esse monte de revista aí, leia. Insista até ler.
Eram revistas em quadrinho da Turma da Mônica.
Nessa época o mercado editorial brasileiro ainda era vivo, diferente de hoje que morreu e esqueceu de ser enterrado. A editora Globo imprimia revista em quadrinho naquele papel bem vagabundo, que eu chamo carinhosamente de papel de limpar a bunda. E quando a revista não era vendida a banca não devolvia para a editora, apenas arrancava a capa e ficava para doar. Isso acontecia porque essas revistas tinham muitas propagandas e era do interesse dos anunciantes que as propagandas rodassem mesmo que a revista não tivesse sido vendida.
A primeira vez que eu consegui entender um diálogo falado eu estava dentro de uma banca de revistas, entendi que meus pais que trabalhavam na banca estavam falando de mim. Na época que minha mãe me instigou a aprender a ler com as revistas em quadrinhos eles já não trabalhavam mais lá, mas tinha restado várias revistas sem capa. E haviam muito mais na casa de meu avô tipógrafo que continuava trazendo para casa revistas sem capa que não tinham sido vendidas. Não dá para dizer que a escola não ensinou nada, com base naquele b com a ba bem primitivo que eu tinha aprendido lá e perguntando a quem estava ao redor o significado da imensa maioria das palavras que não podem ser compreendidas apenas com o b a ba básico eu fui aprendendo, levou um tempo, quando eu finalmente aprendi a ler já estávamos na alfabetização, mas pelo que me lembro fui o primeiro a ler na minha turma. E eu nunca larguei os quadrinhos. Mas quando a minha vida fica muito agoniada e eu passo a ter dificuldade em me concentrar em livros menos fragmentados, a leitura de quadrinhos aumenta ainda mais.
Aí essa questão de consumo fragmentando contra consumo inteiro me veio e eu vou tentar explicar como o problema não é consumir fragmentos, o problema é consumir fragmento pensando que está consumindo algo completo.
A penúltima vez que eu fui ao Cinema foi para assistir Homem Aranha no Aranhaverso, junto com o Professor Xavier e outros colegas. Lembro que eu gostei muito e depois de assistir o filme fui ver o vídeo do PH Santos e ele se sentia roubado. Porque PH não gosta de consumir fragmento. Ele está disposto a assistir nove horas de filme seguidas desde que isso dê a ele algo que ele considere uma experiência completa. Homem Aranha no Aranhaverso é um filme dois que termina como uma propaganda do três, para o PH essa experiência não serve. Já para mim, depende do que eu estiver buscando. Eu nem assisti o filme um e sei lá se vou assistir o filme três, então eu saí de casa sabendo que ia ver um fragmento e não fiquei insatisfeito.
A fome de querer algo completo leva a esse engano de comprar algo fragmentado e se iludir que vai ter uma história com início, meio e fim.
A maior decepção hoje na cultura pop não está nem no cinema nem nos quadrinhos, está na literatura mesmo. Na série de livros Crônicas de Gelo o Fogo. É uma série que atualmente tem cinco livros e que o autor promete que vai escrever mais dois, mas já foi grosseiro com o público dizendo que mesmo que escreva os dois livros que prometeu isso não significa que isso vai encerrar a história. O quinto livro saiu em 2011 e o sexto livro ainda não saiu mesmo depois de quatorze anos e nem tem prazo para sair.
Dos cinco que saiu eu li três. Considero o autor desses livros, o Martin, o maior escritor de fragmentos de literatura atualmente vivo. Se você esquecer que ele está vendendo uma história que deveria ser completa e analisar só alguns capítulos soltos ele se senta ao lado de Tolkien e Shakespeare sem passar vergonha, agora se você parar para analisar os cinco livros como um todo, aí nem vale o papel onde foi impresso.
Tem um rei que ninguém explica como virou rei, e uma bagunça completamente incompreensível. E assim segue, uma história besta, sem início, sem propósito, sem nem uma perspectiva de receber algum tipo de explicação e que vai ficando mais confusa a cada capítulo. Mas essa história fez um sucesso absurdo, atraiu uma legião de fãs ansiosos por um final que nunca veio e que nunca virá.
Da mesma maneira que aconteceu com o filme do Homem Aranha, As Crônicas de Gelo e Fogo não me decepcionaram. Li os três livros para zombar do protagonista e me divertir com uma coisa ou outra, nunca esperei um final, pois sabia que não viria. A expectativa é o que frustra.
Aí quando você vai ler uma obra sem esperar nada e descobre uma história completa, a experiência é tão satisfatória que quase não dá para descrever. A série Harry Potter é o melhor exemplo de uma história completa da cultura pop atualmente. É a saga de um personagem autoritário, sua história completinha da concepção até…
Procurem saber. Tem uma história completa lá, eu prometo, mas não é do Harry Potter que não é o protagonista, é o antagonista ponto de vista.
Mas o que eu queria mesmo contar para vocês é a minha experiência com quadrinhos das últimas semanas.
Eu descobri as plataformas japonesas, onde você tem de graça os primeiros e últimos capítulos de várias obras. Eu chego lá, escolho uma história pela capa e leio. É quadrinho original grátis! Não é pirataria. Porque a pirataria gerou esse vício de só querer consumir a história lendo desde o primeiro capítulo, quem impôs essa regra arbitrária? Eu que não vou seguir mais isso. E uma das histórias que eu vi lá na plataforma foi One Piece. O quadrinho favorito da minha artista favorita. Eu de vez enquanto falo dela aqui e a chamo de Capitão. Esse título auto proclamado que ela tem se deve ao fato de ela ser uma fã dessa história de piratas, o tal do One Piece.
Eu nunca tinha lido nem um capítulo, mas vi lá que estavam de graça os capítulos 1, 2, 3, 1136, 1137 e 1138. Então eu li os três últimos. Mas assim, que história de merda!
Eu cheguei no capítulo 1136. Note que sai um capítulo por semana, cinquenta por ano, olha como essa porcaria é antiga, e nada aconteceu. Você pode pegar qualquer um dos 1139 capítulos e ler que não vai fazer diferença nem uma. Os personagens ficam o tempo todo dizendo que são piratas porque se eles não disserem você não percebe. Eles não carregam bagagem. O diabo do protagonista estava com uma arroba de carne na mão e mordendo, e por mais que ele continuasse mordendo a porcaria da carne não acabava. É só uma piada contínua de que ele come muito e pronto. Eles não caminham, eles não navegam, eles não andam de cavalo, eles só aparecem em outro lugar.
Agora você imagine a pessoa ler 1139 capítulos dessa porcaria só para ter uma ilusão de completude. Imaginem minha artista favorita que tem toda essa merda impressa em casa. Que desperdício de uma estante.
Por outro lado, nessa mesma plataforma tem uma história de 182 capítulos, até agora, chamada Dandadan. Dessa eu li os 182 capítulos, e leio de novo e cada vez acho coisa que eu não tinha visto antes. Esqueçam a sinopse, acreditem em mim, só leiam. Deem um jeito. Os resumos são uma ilusão porque não mostram o que a história é. Nos resumos ninguém diz que os personagens usam mochilas, e que essas mochilas são altamente detalhadas. Que o personagem bagunçado usa uma mochila bem grandona com as coisas tudo jogadas dentro, e que o personagem organizado usa uma bolsa a tiracolo pequena com as coisas organizadas, e o personagem normal usa mochila de tamanho mediano. E que na hora das confusões eles tiram e guardam ou perdem a bolsa de acordo com a situação. E que se o dinheiro estava dentro eles voltam para casa a pé. E se o lugar era longe e eles foram de trem, a volta demora e o dia amanhece. Ninguém diz que os personagens sentem sede e bebem bebidas diversas, e comem comidas variadas de acordo com as situações. Ninguém explica que os cômodos das casas são super detalhados.
Ninguém diz que se dois personagens saem da escola e vão juntos para casa de um, esse um bota a roupa de casa e o outro continua de uniforme!
Desculpem, eu amo Dandadan e odeio One Piece então acho que me exaltei um pouco. Até logo. Não precisam ler Dandadan não. Leiam o que vocês quiserem, assistam o que vocês quiserem. Mas não tenham medo de fragmentos. Assistam o filme começando do meio, comecem a série pelo último episódio, ordem é besteira, só serve para dificultar o consumo.
Até.
PS1: Perguntei se tinha adversário inscrito na competição e tem, vou ter com quem lutar sábado, isso é muito legal.
PS2: Outra coisa que eu faço e que é muito fragmentada é jogar. Jogo xadrez tendo três dias para fazer cada movimento, e jogos do Super Nintendo. O principal é o MegamanX que falei no último texto. Acontece que se você juntar todos os itens você consegue fazer o hadouken que é a técnica mais clássica da empresa desse software a Capcom mas que vem de outro jogo Street Fighter. Aí eu não tava conseguindo fazer o hadouken em MegamanX e fui pesquisar na internet sobre o motivo. Terminou aparecendo conteúdo sobre uma personagem de Street Fighter chamada Sakura Kasugano, que eu já tinha ouvido falar e que tem uma premissa muito interessante. Na história ela é fã do lutador mais importante do Street Fighter aquele que originalmente solta o hadouken e aprendeu a soltar o hadouken sozinha. Mas eu nunca tinha jogado com ela porque eu achava que ela tinha saído só depois que não faziam mais jogos para o Super Nintendo que é o videogame que eu gosto de jogar. Mas aí eu fui perguntar ao Chat Não Sei o que PT só por desencargo de consciência.
"Quando saiu a Sakura Kasugano. Aí ele respondeu que foi no jogo Super Street Fighter Alpha 2. Aí eu perguntei.
"Para quais plataformas saiu esse jogo?" Ele respondeu um monte de plataformas lá, e no meio tinha Super Nintendo.
Eu fiquei incrédulo e perguntei, "Super Nintendo?" Ele confirmou que sim.
Aí eu fui pesquisar e descobri que eles tinham feito o cartucho para Super Nintendo porque muita gente ainda jogava nessa plataforma, mesmo já tendo saído o Nintendo 64.
Aí eu fui atrás de baixar o software, Street Fighter Alpha 2 USA SNES e testar. Escolhi a Kasugano e fui lutar, na primeira luta já acertei vários hadouken, porque são os mesmos botões que você usa no MegamanX. O problema no MegamanX ainda vou descobrir mas no Street Fighter eu consegui mandar.
Isso me deixou tão contente que vocês não tem ideia. Ter uma personagem que combina comigo para brincar. É legal demais. Aí eu fico lá treinando as técnicas contra um boneco parado igual se fossem técnicas de judô. Dez hadouken para um lado, dez hadouken para o outro. Dez Shouoken para um lado, dez Shouoken para o outro. Isso começou ontem, terça-feira. Depois que tiver treinado todas as técnicas vou lutar direitinho contra o computador. Essa descoberta exatamente nessa semana me deixou realmente animado.
Pix: diegosergioadv@gmail.com
Meu plano é ensinar sobre esporte e guerra através do xadrez e do judô.
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