A aposentadoria de um rei

  A aposentadoria de um rei




Monstro lutador de sumô de Dandadan




Minhas aulas de judô voltaram. 

Saiu o calendário da Federação com minha primeira luta no dia 15 de fevereiro, em menos de três semanas. Quero muito ir, mas ficou difícil. Acredito que já vai ser com as novas regras. Só vou ter a oportunidade de assistir uma competição com essas regras, próximo fim de semana no Grand Slam de Paris.

Normalmente eu não me importo de assistir lutas de judô antigas, mas com essas mudanças de regra parei de assistir por um tempo. E me veio a vontade de dar uma olhadinha no sumô profissional, particularmente o torneio do ano novo. São quinze dias. Começando no dia 12.

No Youtube tem um canal japonês de notícias faladas em inglês. Esse canal transmite as lutas da primeira divisão dos torneios de sumô profissional. Não ao vivo. É um vídeo de quase meia hora com todas as lutas da primeira divisão de um dia. Cada lutador luta uma vez por dia. A menos que se machuque, adoeça, algo assim todos lutam os 15 dias. É parecido com campeonatos de xadrez em formato suiço, mas as lutas são casadas. Não é um cálculo matemático a liga que escolhe quem vai lutar com quem, mas vai priorizando lutas de vencedores com vencedores e perdedores com perdedores. O sumô é muito popular no Japão há muitos séculos.

E claro, já era popular no final do século XIX quando o criador do judô nasceu. Ele queria muito praticar artes marciais para não apanhar mais dos colegas no ensino médio, mas o pai dele dizia que não fazia sentido treinar artes marciais por um motivo desses. E o adolescente Jigoro Kano simplesmente passou o ensino médio todo apanhando. 

Ou foi isso que eu fiquei sabendo pesquisando na internet. A vida de Jigoro Kano antes de começar a ensinar artes marciais não é bem documentada. Terminando o ensino médio e continuando com vontade de praticar artes marciais, o jovem Jigoro Kano terminou convencendo o pai que o fez prometer que ele ia ser movido por objetivos nobres, mais do que simplesmente brigar na rua feito um vadio.

E foi assim que Jigoro Kano começou a praticar jujutsu. Aqui no Ceará a gente pede para uma fábrica de sandálias fazer um tatame de EVA, mas lá no final do século XIX só existiam tatames de palha de arroz, que eram caríssimos. Tatames existem no Japão desde muito antes de Jigoro Kano nascer, mas eram um piso de luxo. Não era pensado para treino de artes marciais, era usado para refeições, reuniões e celebrações importantes. Os Samurais eventualmente treinavam em tatames porque eles treinavam em todo piso que pudessem, mas a maior parte dos treinos aconteciam em pisos mais duros. Quando muito areia com tapetes por cima. 

O primeiro professor de artes marciais de Jigoro Kano descendia da classe guerreira, bushi, ou samurai, mas nessa época como tal classe havia sido oficialmente extinta os remanescentes não estavam bem. Vários davam aulas de artes marciais ou de outras disciplinas para sobreviver, mas não costumava ser nada luxuoso.

É dito que o treinamento do primeiro professor de jujutsu de Jigoro Kano praticamente se resumia a botar os alunos para lutar e de vez em quando fazer um ajuste. Como eles faziam para lutar por horas? Era uma dúvida que eu tinha. Mas consumindo conteúdo sobre sumô eu terminei decifrando esse enigma. Grande parte do cansaço de se treinar judô hoje vem das quedas e das ajoelhadas. Lutar com alguns colegas é como enfrentar aquela máxima que os brasileiros gostam de compartilhar nas redes sociais:

"Para me derrubar primeiro você vai ter que me levantar do chão."

Os randori são um se abaixa e se levanta infeliz. Toda hora os colegas se jogam no chão para tentar lhe derrubar ou apenas para levar a luta para o solo. Esse costume se deve claro ao Jigoro Kano que popularizou o uso de solos macios para treinamentos. Os tatames. 

Acontece que a forma mais básica de se lutar no Japão, o conjunto de regras mais simples é o sumô. De forma simplificada você só pode encostar o pé no chão. Um simples joelho no chão já é derrota. Em um sistema de luta em que encostar o joelho do colega no chão ou fazer ele se sentar já é vitória, e onde você não pode ficar se deitando nem se ajoelhando, dá para lutar mesmo em um piso não tão macio, como areia, grama, tapetes. E dá para aguentar mais do que em um treino em que você fica tendo que cair e se levantar constantemente.

Não que o jujutsu, a arte marcial que Jigoro Kano praticava não tivesse técnicas de sacrifício, onde você se joga no chão para derrubar o adversário, mas elas provavelmente só eram treinadas em raras situações. Não tem como ficar se jogando constantemente no chão em pisos que fornecem pouquíssimo amortecimento. Pode ter certeza, as pessoas do século XIX não eram feitas de aço. Na realidade eles tinham a saúde levemente pior que a nossa. A expectativa de vida era de quarenta anos para homens.

É dito que Jigoro Kano para conseguir derrubar seus colegas precisou se basear no sumô, não só pela dureza do chão mas também porque era a única base que ele tinha. Antes de seu pai lhe permitir treinar artes marciais sumô era a única arte marcial que ele tinha acesso. 

A questão da influência do sumô na vida de Jigoro Kano e por consequência no judô é um assunto muito profundo, e que na verdade eu só comecei a observar. Mas o impressionante é o que aconteceu no meu primeiro dia assistindo.

O maior título no sumô profissional é o de Yokozuna. Quem chega a esse posto passa a ser o destaque de todas as competições que participa. Nunca mais é rebaixado, é esperado que o Yokozuna em má fase se afaste ou se retire. Quando ele luta é sempre a última luta, que fica sendo anunciada o dia todo.

Quando eu fui assistir o primeiro dia do torneio de ano novo, o atual Yokozuna estava inscrito para lutar, depois de dois torneios afastados para cuidar de contusões. Existem seis torneios por ano, nos seis meses ímpares. Eu estava assistindo as lutas em um vídeo de meia hora, mas mesmo nesse vídeo o narrador ficou anunciando que "hoje vamos ter o Yokozuna".

Depois de todas as outras lutas já no finalzinho do vídeo chegou a esperada luta. Ele estava muito nervoso! Parecia com alguns judocas iniciantes quando estreiam na categoria sênior se tremendo todo. Quando a luta começou ele escorregou, caiu de barriga no chão e perdeu sozinho.

Eu fiquei impressionado com a exibição tão pífia. Eles só entrevistam o vencedor, e como a luta principal foi a entrevista preparada com mais pompa. Vencer um Yokozuna é algo muito importante, você ganha uma estrela no seu currículo de lutador pelo resto da vida. Então a entrevista terminou sendo bem decepcionante o vencedor só disse algo como. "Boa luta, comecei (o torneio) ganhando."

Quando eu terminei de assistir, tinha outro vídeo nos recomendados que dizia. Yokozuna anuncia aposentadoria! E foi assim que comecei minha jornada assistindo sumô, já aposentado um Yokozuna!




Até!




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        Tenho aulas de Judô na Ikigai Dojô em Crato, Ceará e sou atualmente 3º kyu (faixa verde).

             Meu plano é ensinar sobre esporte e guerra através do xadrez e do judô.

          Pretendo lutar em Fortaleza no dia 8 de março. Qualquer ajuda é bem vinda, me ler já é uma grande ajuda. Divulgar é muito bom. Ajuda em dinheiro também.



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Minha medalha da Copa Samurai



A gata Lua


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