Paris 2024. Dia 2 e o Rei Macaco
Paris 2024. Judô dia 2 e o Rei Macaco
Os brasileiros estão comovidos com a morte do dono do SBT. Canal de TV aberta que passava muitos desenhos e que passa até hoje. Quando eu era adolescente a Globo também passava desenho. E eu lembro que na época que eu e meu amigo Jayme, hoje Professor Xavier, estávamos no ensino médio eu me queixei de alguns desenhos japoneses que para mim não faziam sentido. Os personagens principais começavam a história enfrentando inimigos bem fraquinhos e derrotando. Depois vinha uns inimigos um pouco mais fortes. E no final quando já estavam mais fortes e poderosos vinha o inimigo mais poderoso que também era derrotado. Eu me perguntava porque o mais forte não vinha logo no começo e acabava logo tudo. Qual a lógica de ir mandando inimigos sempre mais fracos do que os heróis?
Anos depois eu entendi que esse formato era inspirado em um romance chinês chamado "Jornada Ao Oeste." Esse livro foi escrito por Wu Cheng'en por volta de 1570 e conta a história do monge Xuanzang.
Xuanzang foi um monge aventureiro que em 629 partiu em peregrinação da China onde vivia até a Índia. As aventuras da vida real como bem sabe meu amigo professor Xavier que está se aventurando na Austrália, tem mais a ver com ser obrigado a usar idiomas estrangeiros do que ter que dar porrada em inimigos. E a aventura de Xuanzang não foi diferente. Ele vivia enfezado com as escrituras sagradas budistas que estavam em chinês mas que eram muito mal traduzidas do sânscrito, uma língua indiana. O budismo veio da Índia. Ele então desafiando as leis do imperador que proibiam viagens, saiu na sua missão. Passou por enormes dificuldades culturais, mas retornou com vários escritos sagrados em língua original. Foi bem recebido pelo imperador apesar de sua desobediência e se dedicou a traduzir aquelas escrituras em uma qualidade melhor. Sua vida foi um fato histórico de grande importância que foi descrito no livro Jornada Ao Oeste. Mas para embelezar o escritor Wu acrescentou um monte de situações fantasiosas. Colocou o monge como companheiro de viagem de quatro personagens mitológicos, sendo que o mais conhecido deles é o Rei Macaco. E encheu a jornada de desafios e lutas que começaram mais fáceis e foram ficando cada vez mais difíceis mas sem nunca colocar em risco a vida do monge. Que ninguém me acuse de spoiler. Esse tipo de história já entrega como vai ser o final no primeiro capítulo. As brincadeiras e discussões filosóficas são o que sustentam a obra e não a curiosidade do que vai acontecer no final.
Não existe esse livro em português, arranjei uma cópia em chinês atual. O chinês original em que foi escrito é ilegível até para os chineses. Eu li um parágrafo ao acaso com ajuda do tradutor, onde o rei Macaco lamentava o fardo da velhice e da morte. Fiquei com vontade de ler mais.
Mas hoje eu quero falar dos jogos olímpicos. Particularmente da repescagem. A repescagem do judô trás muito dessa ideia de jornada espiritual da cultura budista.
O auge da superação em um dia de competição acontecia quando um atleta perdia na primeira luta. Ele precisava ficar calmo porque ainda tinha chances de medalha. Caso o seu adversário chegasse na final ele se classificava para uma repescagem. Onde ganharia uma medalha de bronze caso vencesse todos os adversários derrotados por aquele lutador que o tinha derrotado na primeira luta.
Quem não entendeu por favor leia de novo até entender porque é simples. Se você era sorteado para enfrentar alguém que depois virava finalista por não ter tido sorte no sorteio, recebia uma chance de disputar ainda uma medalha. Mas era uma jornada duríssima. Era você contra às vezes quatro atletas, um de cada vez é claro.
Era lindo, mas infelizmente a partir de Pequim em 2008 a regra de repescagem mudou. Hoje se você perder na primeira ou na segunda luta você está fora. Mesmo que tenha enfrentado o melhor lutador você é eliminado por culpa do sorteio, enquanto outro que só teve que enfrentar o melhor lutador na final sai com a medalha de prata. Quem perde é o público.
Chegando ao dia dois do judô em Paris 2024, essa regra se mostrou bastante cruel com a lutadora mais popular que estava nesses jogos. A Abe Uta do Japão! Ela teve que enfrentar já na primeira rodada a Diyora Keldiyorova do Uzbequistão que era a melhor lutadora naquele dia e terminou ganhando a medalha de ouro.
A regra ajudou o Brasil nesse mesmo dia. Pois William Lima por ter tido sorte no sorteio só precisou lutar contra o melhor lutador, o irmão de Uta, Abe Hifume, na final.
Percebam. Abe Uta só perdeu para a melhor. William Lima só perdeu para o melhor. Abe Uta saiu com nada! William Lima saiu com a medalha de prata.
Essa nova regra é triste. Gostava mais como era até 2004. A repescagem anterior me lembra a jornada histórica e lendária do monge Xuanzang. Um lutador enfrentando desafios em sequência em uma jornada de aprimoramento. Era lindo. Muito se falou das punições e das necessidade de se mudar as regras para haver menos partidas decididas por punição. Mas eu penso que o principal motivo para as lutas terminarem assim é a vontade dos atletas.
No xadrez o mestre Leitão diz: "Água morro abaixo, fogo morro acima e dois jogadores querendo empatar, não tem quem impeça." Dá para adaptar para o judô. Dois lutadores que querem decidir a luta vendo quem toma três punições primeiro vão decidir a luta assim e não tem quem impeça. A volta da repescagem antiga pelo menos garantiria que bons lutadores com pouca sorte no sorteio lutassem mais vezes nos proporcionando melhores lutas.
Até.
Sobre meus três anos de aula de judô.
Para a celebração poder acontecer várias coisas precisam dar certo. Eu preciso passar no exame de faixa que vou fazer em breve, eu preciso conseguir lutar no cearense e na copa Samurai e eu não posso estar doente e nem machucado. E para os leitores receberem a revista, obviamente ela precisa estar pronta.
Qualquer um de vocês pode me ajudar com a revista, me mandando textos, fotos ou desenhos. Só falar comigo por e-mail ou outro meio.
Meu plano é ensinar sobre esporte e guerra através do xadrez e do judô.
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